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Amor Electro - Fenómeno com os pés na terra

domingo, 1 de julho de 2012



               por João Moço. Fotografia de Gerardo Santos/GI


Ou com ficha terra, seria melhor dizer, tendo em conta o nome desta banda: Amor Electro. Andam na boca de toda a gente, e o primeiro álbum é um sucesso que já chegou à platina. Eis a história por detrás do fenómeno de popularidade.
Num ano muito mudou na vida de Marisa Liz, Tiago Pais Dias, Ricardo Vasconcelos e Rui Rechena. Caso estes nomes à primeira leitura não proporcionem uma identificação imediata, eles são os Amor Electro, banda que é hoje um dos maiores fenómenos do panorama português. Neste último ano o álbum Cai o Carmo e a Trindade (2011) chegou à marca de platina, o single A Máquina tornou-se numa das canções mais reconhecíveis ao ouvido, atuaram na última edição do Rock in Rio-Lisboa e ganharam ainda dois Globos de Ouro.
No entanto, os Amor Electro estão longe de ser novatos. Antes do sucesso, dos prémios e dos grandes palcos, estes quatro amigos que se conheceram na EPMA, escola profissional de música de Almada, já tocavam noite após noite no circuito de bares. Esse circuito deu-lhes «estaleca». E, apesar da fama, não entram em ilusões.
O lado cénico
Desde os tempos da tarimba nos bares que o conceito para os Amor Electro fervilhava nas cabeças de Marisa, Tiago, Ricardo e Rui. Tanto para a música como para a imagem carismática que os carateriza. Porque as roupas que vestem publicamente e a forma como se apresentam é uma das armas de apresentação da banda. E assumida. «A nossa música permite expressarmo-nos de formas mais teatrais e cinemáticas. No nosso caso dá para estabelecer ligações entre várias artes. A roupa e a imagem são uma das formas que temos de expressão e ainda temos muitos caminhos a seguir», explica Tiago Pais Dias, compositor e produtor do primeiro álbum do grupo. Por vezes arriscam em vestimentas mais extravagantes, risco que é vivido com entusiasmo. «Eu sou rapariga, por isso é normal que goste de roupa e de me aperaltar», diz Marisa.«Tendo a sorte de estar na música, posso usar coisas que, se usasse normalmente na rua, se calhar ainda me internavam.»
Com os Amor Electro está tudo pensado. São vestidos pela Vicente Internacional, empresa que entrou no barco quando o nome Amor Electro ainda não enchia salas. Pedro Leitão é o estilista que trabalha com o grupo. «Nós explicámos-lhe tudo e mais alguma coisa do que queríamos para o nosso visual. As ideias eram tantas que ele já estava maluco, mas assim conseguiu encontrar a marca que nos conseguisse ler e pôr cá para fora, que permitiu desde logo uma abertura muito grande para não termos roupas já feitas, mas sim desenhando para nós», explica a vocalista.
Sem vergonha dos bares
O cuidado com a apresentação surgiu cedo, ainda nos circuitos dos bares. «Nos bares apresentávamos um verdadeiro espetáculo, não íamos para ali fazer discos pedidos. Demorávamos mais de duas horas a montar o cenário e a preparar o concerto, tínhamos ensaios de dias inteiros. A malta achava que éramos malucos por apostarmos tanto para depois recebermos sessenta euros de recibo», lembra a voz dos Amor Electro. Foi este cuidado que gerou um ano de noites cheias no bar Templários, em Lisboa.
Para os Amor Electro os bares foram uma fonte de aprendizagem e experiência. As condições adversas deram-lhes segurança para viver com calma o sucesso de hoje. «Nos bares, é fácil deixares-te ir no circuito e começares a virar frangos, porque se ganha pouco», refere Marisa Liz.
Conscientes da crise
Mas, com o sucesso, veio a inevitável mudança de vida. «Obviamente que hoje temos um pouco mais de dinheiro porque os trabalhos vão aparecendo, mas os problemas são os mesmos, as casas são as mesmas, as vidas são as mesmas», diz Ricardo. «As pessoas acham que temos uma vida de luxo, até amigos meus têm essa ideia, mas acabamos por ter vidas normais, só um pouco mais estáveis... ou próximas da estabilidade.»
É verdade que há um disco de platina com Cai o Carmo e aTrindade (que chegou a estar sete semanas consecutivas em primeiro lugar no top de vendas nacional), mas a crise que afeta o país sente-se, e bem, na música. Marisa dá o exemplo. «Se fosse há cinco anos o fenómeno teria repercussões diferentes e estaríamos com outra conversa. Nesta altura há que ser sério e ter bom senso e viver na realidade que toda a gente está a viver. Continuamos com o mesmo cachet antes de ganharmos isto tudo. O nosso objetivo é tocar e, claro, não queremos passar fome e queremos que a nossa família tenha uma vida razoável. Mas queremos é tocar, por isso pensamos em preços de acordo com o que o país tem para oferecer, porque é muito triste as pessoas não poderem ouvir música.»
Ainda assim, toda a gente canta as canções dos Amor Electro, sobretudo A Máquina. Mesmo para eles é difícil de explicar o sucesso de uma só música. «É estranho. A letra e a música "bateram" a muita gente. Mas não há receitas para nada», afirma a vocalista.
Certamente que ajudou a perseverança destes quatro músicos. «Trabalhámos muito e acreditámos muito em nós, independentemente do que nos dissessem à nossa volta, e, por isso, acreditámos que um dia a nossa música ia ter alguma expressão em Portugal. Se não acreditássemos íamos fazer outra coisa qualquer. E depois tivemos a sorte de ter à nossa volta pessoas que achavam o mesmo», recorda Marisa.
Durante anos chegaram a tocar noutros projetos. Tiago Pais Dias com os The Gift ou Amália Hoje, além de ter formado com Ricardo Vasconcelos o grupo Room 74. Vasconcelos tocou ainda com Balla e Rui Rechena com os Homens da Luta. Já Marisa Liz foi em tempos a voz dos Donna Maria. «Nós já começámos do zero umas vinte vezes, por isso é normal. Mas no fundo nunca é começar do zero, porque tens sempre mais experiência e uma bagagem diferente», lembra Tiago Pais Dias. Já Marisa decidiu abandonar os Donna Maria, onde já tinha algum reconhecimento popular. «Voltei a tocar em bares pelo amor à música e para voltar ao início. Para mim não havia opção. Na vida ou se é feliz com o que se faz ou não dá. Era o que tinha de ser.»
O futuro
O primeiro álbum, que o grupo lançou há um ano, era dominado por versões (como de Barco Negro de Amália Rodrigues, Sete Mares da Sétima Legião ou Capitão Romance dos Ornatos Violeta), mas desde aí a banda não tem parado de compor novas canções. Para já, vão aproveitar a fama e dar concertos. Depois voltam a estúdio e, provavelmente, para o ano sairá o sucessor de Cai o Carmo e a Trindade, já com mais temas originais. «O primeiro disco teve mais versões porque quisemos contar a nossa história e de como isto tudo começou, que foi assim, como um grupo de versões. A evolução será certamente ter mais originais, mas não vamos abdicar das versões porque é algo que gostamos muito de fazer, revisitar músicas e torná-las quase nossas com novas roupagens», refere Tiago Pais Dias.
É óbvio que o sucesso traz consigo a responsabilidade. «Existe essa pressão. Mas é muito bom ter as pessoas interessadas no que vais fazer, é o máximo que te pode acontecer. Por isso a pressão não se pode instalar em nós de uma forma negativa, até porque sabemos que não podemos ter toda a gente a gostar de nós», confessa a vocalista. Aos Amor Electro resta assim manterem a mesma atitude que os levou até onde estão. «Vamos continuar a fazer aquilo em que acreditamos. Só podemos ser sinceros e fazer o melhor trabalho possível. A partir daí é esperar que as pessoas entendam», conclui Marisa.

in Notícias Magazine - DN


                               

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