por João Moço. Fotografia de Gerardo
Santos/GI
Ou com ficha terra, seria melhor dizer, tendo em conta o nome desta banda:
Amor Electro. Andam na boca de toda a gente, e o primeiro álbum é um
sucesso que já chegou à platina. Eis a história por detrás do fenómeno de
popularidade.
Num ano muito mudou na vida de Marisa Liz, Tiago Pais Dias, Ricardo
Vasconcelos e Rui Rechena. Caso estes nomes à primeira leitura não proporcionem
uma identificação imediata, eles são os Amor Electro, banda que é hoje um dos
maiores fenómenos do panorama português. Neste último ano o álbum
Cai o Carmo
e a Trindade (2011) chegou à marca de platina, o
single A Máquina
tornou-se numa das canções mais reconhecíveis ao ouvido, atuaram na última
edição do Rock in Rio-Lisboa e ganharam ainda dois Globos de Ouro.
No entanto, os Amor Electro estão longe de ser novatos. Antes do sucesso, dos
prémios e dos grandes palcos, estes quatro amigos que se conheceram na EPMA,
escola profissional de música de Almada, já tocavam noite após noite no circuito
de bares. Esse circuito deu-lhes «estaleca». E, apesar da fama, não entram em
ilusões.
O lado cénico
Desde os tempos da tarimba nos bares que o conceito para os Amor Electro
fervilhava nas cabeças de Marisa, Tiago, Ricardo e Rui. Tanto para a música como
para a imagem carismática que os carateriza. Porque as roupas que vestem
publicamente e a forma como se apresentam é uma das armas de apresentação da
banda. E assumida. «A nossa música permite expressarmo-nos de formas mais
teatrais e cinemáticas. No nosso caso dá para estabelecer ligações entre várias
artes. A roupa e a imagem são uma das formas que temos de expressão e ainda
temos muitos caminhos a seguir», explica Tiago Pais Dias, compositor e produtor
do primeiro álbum do grupo. Por vezes arriscam em vestimentas mais
extravagantes, risco que é vivido com entusiasmo. «Eu sou rapariga, por isso é
normal que goste de roupa e de me aperaltar», diz Marisa.«Tendo a sorte de estar
na música, posso usar coisas que, se usasse normalmente na rua, se calhar ainda
me internavam.»
Com os Amor Electro está tudo pensado. São vestidos pela Vicente
Internacional, empresa que entrou no barco quando o nome Amor Electro ainda não
enchia salas. Pedro Leitão é o estilista que trabalha com o grupo. «Nós
explicámos-lhe tudo e mais alguma coisa do que queríamos para o nosso visual. As
ideias eram tantas que ele já estava maluco, mas assim conseguiu encontrar a
marca que nos conseguisse ler e pôr cá para fora, que permitiu desde logo uma
abertura muito grande para não termos roupas já feitas, mas sim desenhando para
nós», explica a vocalista.
Sem vergonha dos bares
O cuidado com a apresentação surgiu cedo, ainda nos circuitos dos bares. «Nos
bares apresentávamos um verdadeiro espetáculo, não íamos para ali fazer discos
pedidos. Demorávamos mais de duas horas a montar o cenário e a preparar o
concerto, tínhamos ensaios de dias inteiros. A malta achava que éramos malucos
por apostarmos tanto para depois recebermos sessenta euros de recibo», lembra a
voz dos Amor Electro. Foi este cuidado que gerou um ano de noites cheias no bar
Templários, em Lisboa.
Para os Amor Electro os bares foram uma fonte de aprendizagem e experiência.
As condições adversas deram-lhes segurança para viver com calma o sucesso de
hoje. «Nos bares, é fácil deixares-te ir no circuito e começares a virar
frangos, porque se ganha pouco», refere Marisa Liz.
Conscientes da crise
Mas, com o sucesso, veio a inevitável mudança de vida. «Obviamente que hoje
temos um pouco mais de dinheiro porque os trabalhos vão aparecendo, mas os
problemas são os mesmos, as casas são as mesmas, as vidas são as mesmas», diz
Ricardo. «As pessoas acham que temos uma vida de luxo, até amigos meus têm essa
ideia, mas acabamos por ter vidas normais, só um pouco mais estáveis... ou
próximas da estabilidade.»
É verdade que há um disco de platina com
Cai o Carmo e
aTrindade (que chegou a estar sete semanas consecutivas em primeiro
lugar no
top de vendas nacional), mas a crise que afeta o país sente-se,
e bem, na música. Marisa dá o exemplo. «Se fosse há cinco anos o fenómeno teria
repercussões diferentes e estaríamos com outra conversa. Nesta altura há que ser
sério e ter bom senso e viver na realidade que toda a gente está a viver.
Continuamos com o mesmo
cachet antes de ganharmos isto tudo. O nosso
objetivo é tocar e, claro, não queremos passar fome e queremos que a nossa
família tenha uma vida razoável. Mas queremos é tocar, por isso pensamos em
preços de acordo com o que o país tem para oferecer, porque é muito triste as
pessoas não poderem ouvir música.»
Ainda assim, toda a gente canta as canções dos Amor Electro, sobretudo
A
Máquina. Mesmo para eles é difícil de explicar o sucesso de uma só música.
«É estranho. A letra e a música "bateram" a muita gente. Mas não há receitas
para nada», afirma a vocalista.
Certamente que ajudou a perseverança destes quatro músicos. «Trabalhámos
muito e acreditámos muito em nós, independentemente do que nos dissessem à nossa
volta, e, por isso, acreditámos que um dia a nossa música ia ter alguma
expressão em Portugal. Se não acreditássemos íamos fazer outra coisa qualquer. E
depois tivemos a sorte de ter à nossa volta pessoas que achavam o mesmo»,
recorda Marisa.
Durante anos chegaram a tocar noutros projetos. Tiago Pais Dias com os The
Gift ou Amália Hoje, além de ter formado com Ricardo Vasconcelos o grupo Room
74. Vasconcelos tocou ainda com Balla e Rui Rechena com os Homens da Luta. Já
Marisa Liz foi em tempos a voz dos Donna Maria. «Nós já começámos do zero umas
vinte vezes, por isso é normal. Mas no fundo nunca é começar do zero, porque
tens sempre mais experiência e uma bagagem diferente», lembra Tiago Pais Dias.
Já Marisa decidiu abandonar os Donna Maria, onde já tinha algum reconhecimento
popular. «Voltei a tocar em bares pelo amor à música e para voltar ao início.
Para mim não havia opção. Na vida ou se é feliz com o que se faz ou não dá. Era
o que tinha de ser.»
O futuro
O primeiro álbum, que o grupo lançou há um ano, era dominado por versões
(como de
Barco Negro de Amália Rodrigues,
Sete Mares da Sétima
Legião ou
Capitão Romance dos Ornatos Violeta), mas desde aí a banda não
tem parado de compor novas canções. Para já, vão aproveitar a fama e dar
concertos. Depois voltam a estúdio e, provavelmente, para o ano sairá o sucessor
de
Cai o Carmo e a Trindade, já com mais temas originais. «O primeiro
disco teve mais versões porque quisemos contar a nossa história e de como isto
tudo começou, que foi assim, como um grupo de versões. A evolução será
certamente ter mais originais, mas não vamos abdicar das versões porque é algo
que gostamos muito de fazer, revisitar músicas e torná-las quase nossas com
novas roupagens», refere Tiago Pais Dias.
É óbvio que o sucesso traz consigo a responsabilidade. «Existe essa pressão.
Mas é muito bom ter as pessoas interessadas no que vais fazer, é o máximo que te
pode acontecer. Por isso a pressão não se pode instalar em nós de uma forma
negativa, até porque sabemos que não podemos ter toda a gente a gostar de nós»,
confessa a vocalista. Aos Amor Electro resta assim manterem a mesma atitude que
os levou até onde estão. «Vamos continuar a fazer aquilo em que acreditamos. Só
podemos ser sinceros e fazer o melhor trabalho possível. A partir daí é esperar
que as pessoas entendam», conclui Marisa.
in
Notícias Magazine - DN
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